Por André Lucas Antunes Dias, 3.9
"KKK não são potássios"
“KKK não são potássios”. Assim o
rapper belo-horizontino FBC consagra sua participação na música Poetas no Topo
2. Apesar de aparentemente inofensiva, essa frase, e seu contexto, diz muito.
Mas, para entender isso, precisamos falar de Karl Marx, Estruturalismo,
Positivismo, Viviane Mosé e Nietzsche.
Você já deve saber que, segundo o
filósofo alemão Karl Marx, a sociedade segue um movimento dialético, ou seja,
em que opressores sobem ao poder e exploram a força de trabalho dos oprimidos
até que esses se voltem contra eles. Todavia, o que você talvez não saiba é
que, posteriormente, Louis Althusser, filósofo estruturalista francês, utiliza
desse conceito de Marx para analisar a Escola. Segundo seu pensamento, essa
instituição é um aparato reprodutor da ideologia burguesa, em outras palavras,
o pensamento dos opressores. Observe: A cada bimestre, estudamos para
conseguirmos a nota máxima nas provas; essa estrutura, reproduz nitidamente a
hierarquia do capitalismo: ou você é eficiente o suficiente para chegar ao Topo,
ou então você está fadado à mediocridade. O aluno nem sequer tem uma educação
individualizada. As turmas são dispostas em, usualmente, fileiras de 10 alunos
cada. Logo, ele precisa acompanhar o ritmo dos outros no mesmo tempo, não
importa se o seu processo de aprendizagem é mais lento, pois esse é o
capitalismo, você não escolhe onde nasce, você apenas nasce e deve trabalhar
para chegar ao status da burguesia. Nos anos finais na Escola, começamos a nos
dar conta de que em breve prestaremos vestibulares e, novamente, precisamos ser
os melhores. A pergunta que fica é: Por que o Estado não se propõe a
proporcionar uma Universidade gratuita para todos? Não somente para quem tem
cotas (importantes, mas não o suficiente), mas para todos. Por que ele não pensa
em um sistema que não se baseia em notas? Ele não o faz porque serve aos
interesses burgueses, do empresariado que ganha cada vez mais força através da
ascensão do neoliberalismo, doutrina econômica surgida nos anos 1980,
principalmente nos Estados Unidos e Inglaterra, que prega a intervenção mínima
do Estado na economia, ou seja, a indústria move a sociedade.
Em face disso, a frase “KKK não
são potássios” começa a ganhar mais substância. KKK é a sigla para Ku Klux
Klan, organização extremista religiosa, reacionária, anti-imigração, de extrema
direita, e que acredita na supremacia do povo branco. Ela surge em 1860 nos
Estados Unidos, isto é, 5 anos antes de abolir-se a escravidão no país.
Contrário a essa medida, o grupo utilizava-se de ataques terroristas ao povo
negro. Na música, ela, KKK, aparece como um significante: Um símbolo que ainda
não ganhou significado e que, por isso, cabe ao sujeito atribuí-lo. O eu
lírico, ataca um desses significados que alguém poderia imprimir nela:
potássio. Elemento de número atômico 19 da tabela periódica, ele é representado
pela letra K. Assim, ele afirma que o K da sigla ligada a um movimento
sociocultural teria sua maior associação pelos ouvintes a um mero símbolo do
conhecimento científico. Análogo a isso, o sociólogo Auguste Comte, considerado
até mesmo o “pai da sociologia”, no século XIX, afirmava que a evolução das
civilizações segue uma linha reta, passando pelo estado metafísico, no qual o
ser humano não desenvolveu um conhecimento bem estruturado e, por isso, recorre
a explicações de correlação entre causa e efeito falsas; assim como pelo estado
teológico, no qual, os indivíduos já atribuem a razão dos fenômenos naturais a
entidades místicas, ligadas à religião; por último, o estado positivista seria
o estágio final e mais perfeito dessa evolução, no qual, com o método
científico, o ser humano é capaz de explicar tudo o que acontece na natureza.
Essa visão linear da história levou a, no mesmo século, se popularizar a ideia
de “Ordem e Progresso” presente na bandeira do Brasil. O país havia acabado de
passar pela República da Espada, comandada por militares e que, influenciada
pelas ideias positivistas da Europa, já via a hegemonia das elites como
inevitável, a qual levaria a sociedade para o estado de plenitude positivista.
Então, durante a República Oligárquica, contrário a esse idealismo, ocorre a
Revolta da Vacina. O pensamento positivista havia influenciado o higienismo,
concepção de utilização da ciência para melhoramento das condições sanitárias
de uma população a qualquer custo, levando a uma vacinação forçada contra a
varíola na população, composta em sua maioria por ex-escravos que viviam no
centro do Rio de Janeiro, e, negando essa violência, começou a se deslocar para
a periferia, o que hoje conhecemos como Favelas.
Logo, o pensamento cientificista
extremista, responsável por negar qualquer manifestação cultural para dar
destaque ao “progresso”, ou seja, desenvolvimento tecnológico para aprimoração
do capitalismo e, consequentemente, da força de trabalho proletária, por mais
que não pareça, ainda está muito presente na instituição Escola. Segundo o
filósofo Friedrich Nietzsche, o Ocidente, desde Platão e o seu “Mundo das
Ideias”, valoriza excessivamente a racionalidade, fazendo com que o indivíduo
não realize seus desejos carnais, não ligados somente ao sexo, mas a tudo
aquilo que define “vontade de potência”, em outras palavras, a capacidade do
indivíduo de deixar seus pensamentos fluírem baseado em sua subjetividade. A
filósofa Viviane Mosé, muito inspirada nas ideias de Nietzsche, diz que a
educação incorpora esse culto ao racionalismo quando, na era da informação, da
revolução da memória, ainda prepara os alunos para decorarem fórmulas e
conceitos que seriam muito mais bem aproveitados se inseridos no armazenamento
cibernético e utilizados apenas quando o aluno sentisse necessidade de
consultá-lo, enquanto ele estaria desenvolvendo um pensamento crítico de fato
ao aprender sobre seu campo cultural de forma mais aprofundada e livre,
individual, sem hierarquia. Mas como realizar esse ensino individual? Uma
escola para cada aluno? Evidentemente que não. Você já reparou que a escola
possui funções muito bem definidas ligadas a uma divisão do trabalho? O
faxineiro faxina, o professor ensina, a cozinheira cozinha, o diretor dirige, a
professora leciona. Contudo, todos esses indivíduos vivem diariamente no mesmo
espaço e observam o comportamento alheio, mas, por estarem presos nessa
divisão, não opinam quanto o que sabem sobre o outro. Através de uma Gestão
Participativa da Escola, esses funcionários poderiam se tornar agentes diretos
do aprendizado, desenvolvendo ideais de empatia e compaixão com os alunos, se
relacionando de forma mais próxima com eles, fato discutido com mais
profundidade na palestra “O Contemporâneo e a Educação” da pensadora. Dessa
forma, “KKK não são potássios” faz crítica ao sistema que prepara os cidadãos
para o reconhecimento de símbolos (K) que não dizem nada a respeito de sua
história e cultura (KKK como Ku Klux Klan e o apagamento da memória negra). E ainda,
logo em seguida, o rapper fala “nos deram negócios, voltamos com S cifrado”,
indicando que ele aderiu a essa concepção competitiva do capitalismo, contudo,
“falam de negócios, já que são eles o produto a ser negociado, estão na
promoção”, ele faz crítica ao trabalhador que se aliena dessa condição, ou, nos
termos de Karl Marx, o lumpemproletariado, o proletariado que não tem
consciência de classe e não se reconhece como oprimido, devido a reprodução da
ideologia burguesa nas esferas da sociedade, como a Escola. A partir disso, seu
“S cifrado” foi conquistado não por uma submissão ao modelo produtivo, e sim
através do Rap, afirmando sua cultura, frustrações e reivindicações, negando o
sistema ao mesmo tempo que participa dele, sendo agente ativo do processo
dialético da história. Toda essa substância em poucas linhas, linhas fortes e
angustiantes.