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quinta-feira, 24 de setembro de 2020

O Guarani é... problemático

 

Por André Lucas Antunes Dias, 3.9

 

O Guarani é... problemático


 

O Guarani é um marco do Romantismo na literatura brasileira. José de Alencar retoma a memória do século XVI, através de relatos de cronistas, e redesenha a história de um índio que se vê cativo à filha de Dom Antônio de Mariz, fidalgo português. A forma com que o autor traduz os acontecimentos que deseja representar é extremamente enviesada, ideológica. Mas, antes de qualquer coisa, precisamos falar sobre Claude Lévi-Strauss, estruturalismo, Francis Galton e Michel Foucault!

No século XIX, ano de publicação do livro, era comum a corrente de pensamento “evolucionista”. Por mais absurdo que pareça hoje (e guarde bem essa frase), após os estudos de Charles Darwin acerca da Origem das Espécies terem vindo ao mundo, rapidamente, seu primo, Francis Galton, elaborou o que ele chamava de “eugenia positiva”: Tendo observado, a partir dos estudos de Darwin, que as espécies tendem a perder ou ganhar características de acordo com o ambiente em que vivem ou com quem se reproduzem, ele concluiu uma forma de, através de casamentos seletivos, selecionarmos características mais desejáveis no ser humano, de forma a preservar corpos saudáveis ao longo de nossa evolução. Na época, os estudos de Galton receberam validação científica, sendo publicados em um artigo da revista Nature.

Não precisamos ir longe para entender que os pensamentos de Galton foram base para a ascensão do nazismo na Alemanha! Imerso no auge do liberalismo econômico, em que as potências europeias se alastraram por todo o globo implantando suas indústrias e colônias principalmente na África e na Ásia, a ideia de eugenia serviu como justificativa ao imperialismo. “Podemos e devemos conquistar esses territórios, basta olhar como são pouco civilizados, não possuem um governo ou sistema como o nosso. Estaremos fazendo um bem a esses selvagens, fracos, os ajudaremos a evoluir”.

No livro O Guarani, Peri, o índio que se voluntaria a cumprir todos os desejos de Cecília, filha de Dom Antônio de Mariz, é um personagem extremamente idealizado. Ele possui uma força capaz de vencer um combate, sem armas, contra uma onça, assim como sentidos extremamente aguçados. Quando menos se espera, na emergência de um conflito, suas flechas passam pelos olhos dos inimigos e ele aparece para salvar o dia. Peri é uma figura onipresente, quase como se ele fosse a própria natureza das matas, até o momento, ainda pouco exploradas, do Brasil. Cecília, em contrapartida, é completamente frágil. Se o índio é a representação da natureza, da própria floresta, Ceci é uma árvore sagrada a qual deve ser preservada. Não é à toa que seu quarto, tal qual um castelo de princesas da Disney, é extremamente inacessível, no último andar, cobiçado pelo aventureiro italiano Loredano. Este personagem, por sua vez, é um louco apaixonado, completamente corrompido pelo desejo, pronto a raptar a menina de sua casa (guardem essa informação). Trocando em miúdos, uma tribo Aimoré, descritos como indígenas completamente diferentes de Peri, com aparência física mais próxima de animais não humanos, ataca a casa de Dom Antônio de Mariz. Apesar dos esforços de Peri, a solução final é fugir com Cecília e abandonar a família, que não conseguiria permanecer viva com o avanço dos Aimorés. Os índios “selvagens” invadem a casa, a incendeiam e, ao matar a família, também se aniquilam, pois a casa está repleta de pólvora.

 

Façamos um esforço interpretativo: José de Alencar se localizava pouco depois da vinda da Família Real ao Brasil. Ele desejava construir um herói para esse reino que acabava de deixar seu status de colônia para trás. Para tanto, ele constrói uma história em que índios degenerados que se atrevem a destruir o núcleo familiar português sucumbem em sua própria empreitada, restando apenas aquele índio que personifica os valores cristãos e aristocráticos europeus. Em suma, o autor propunha dizer que o Brasil recebeu uma bênção ao ser colonizado por Portugal, transformando os índios que aqui viviam em eternos cristãos cativos, nossos defensores - um casamento com a própria natureza (Peri) que preserva nosso ouro verde (Cecília).

O sociólogo e antropólogo Claude Lévi-Strauss foi um dos fundadores do estruturalismo: campo de estudo que pretende analisar as civilizações de forma diacrônica. Isso significa que, observando as tendências eugenistas e evolucionistas de sua época, ele propõe uma análise que leve em conta a consciência de cada época. Deve-se dividir os estágios das civilizações em “cultural” e “selvagem”. O primeiro seria um estágio complexo, organizado, enquanto o segundo o precederia, sem organização. Contudo, segundo ele, o erro está em valorar cada estágio como superiores ou inferiores em relação a outros. Cada sistema se desenvolveria de sua forma e com suas regras próprias. Ao contrário dos pensadores evolucionistas, não haveria um estágio final de evolução o qual todas as civilizações precisam alcançar, pois cada uma tem seu desenvolvimento e particularidades. Apesar de trazer a figura do índio como herói nacional, personagem tão injustiçado até os dias atuais, quando ele imprime ideais europeus ao que considera como o índio ideal (em oposição aos Aimorés) ele ainda diz que a cultura europeia é superior à dos selvagens que aqui viviam e que foram agraciados com a chegada dos portugueses. Para piorar a situação, a representação do italiano é colocada com um dos antagonistas da história, e é estranho ter um estrangeiro que, por sinal, quer roubar a “riqueza” (Cecília) dos europeus, ser representado dessa forma na história, logo na época em que os portos do Brasil finalmente se abriam ao comércio com outros países.

Chegando aos finalmentes, os estudos do filósofo Michel Foucault podem nos dar uma luz de porque uma ideia tão absurda foi glorificada na época. Segundo ele, a verdade é “epistème”, ou seja, um constructo do jogo de forças políticas da época. No século XIX, era necessário justificar o imperialismo das potências europeias, e, por isso, uma ideia absurda como o valor de uma vida ou cultura passaram facilmente a um artigo da Nature. Nos tempos atuais, sabemos que dificilmente um estudo como esse seria aprovado. Mas a epistème pode moldar a forma que nos comportamos, através da determinação do que é verdade ou não e, ainda pior, o que é saudável ou não. Segundo Foucault, concepções como a “loucura” têm sentidos diferentes de acordo com cada época, e sofrem interferência dos discursos de uma determinada época. Voltando à análise de Strauss, deve-se analisar, mesmo os teóricos de ideias tão absurdas, de forma diacrônica os fatos de uma época, e não olharmos ao passado a partir de nossas próprias concepções atuais.

Repare, O Guarani é uma grande obra brasileira, esteticamente perfeito, e teve sua importância na época em que foi lançado. No entanto, precisamos ser maduros o suficiente para criticá-lo e analisá-lo de acordo com a epistème de sua época. Há milhares de outras coisas para se discutir sobre esse livro, e a conversa não acaba por aqui, mas quem sabe isso fica para algum outro dia?

 

 

Os primeiros 86.400 segundos

 

Por Vitória Maria Gava Ferreira, 3.9

 

Os primeiros 86.400 segundos


 

Os pulmões se abrem

Enchem de ar

Os gritos agarram o ouvido

De longe se escuta o choro

Uma nova história começa

Os pais não sabem se ficam felizes

Ou preocupados

O primeiro momento costuma ser bom para os conscientes

Desprezível para o “despertante”,

Mais tarde nem lembrará, só comemorará

Este dia radiante

Primeiro dia de vida

Um anjinho descido do céu,

Aquele projétil de gente,

A Mãe segura a inocência nos braços

Percebe que valeu a pena ter perdido a cintura,

O olhar macio acalma a ex-gestante.

3 horas de distância

 

Por Priscila Rebeca Siqueira, 3.11

 

3 horas de distância


 

Quanto tempo dura um instante?

Dois segundos ou dez?

Se durasse 3 horas..

eu atravessaria a rua.

Andar por um instante

Não seria uma ideia absurda..

 

Por que essas 3 horas?

Fora os 21 minutos!

O abraço que eu preciso

Parece estar do outro lado do mundo.

 

Três horas separam as duas cidades

E que loucura é essa amizade

5 anos sem o abraço

Mas sem perder o que resta em nós de fato.

 

Míseras 3 horas.

Que um dia será nada

Em busca de um talvez

Vagando na estrada.

 

Faz 5 anos,

Que eu aguardo sua chegada

Volte logo..

Te espero aqui em casa.