Presente, esse troço que não acaba, nem passa, nem fica

Por Vitória Maria Gava Ferreira, 2.14

 

Presente, esse troço que não acaba, nem passa, nem fica

Parte 2

Tenho todos os ingredientes

Mas não quero sujar minhas mãos

Além disso não sei a receita

E por tentativa dá muito trabalho

E agora o que eu faço?

Bolo ou cimento?

Doce ou amargo?

No restaurante da vida

Eu não sirvo

Nem o primeiro prato

Mas não importa

Os cozinheiros nunca enriquecem

Apenas os garçons

A promoção nunca vem

E os pedidos costumam ser negados

E ainda dizem que quem os servem

Faz pacto com o diabo

Eu abro os olhos

Olho o relógio

Não vejo o tempo passar

Eu nem percebo os momentos

Eles parecem voar

Eu não me sinto viva

O sono vem quando o sol também vem

Não dormi, mas é hora de acordar

Tenho apenas 15 anos

Me sinto velha

Insisto em me rotular

Olho o semáforo fechar

Já não caminho, me arrasto

Me disseram que a vida

Sou eu mesma que faço

Mas nada posso escolher

Sou jovem demais para tudo

E quando eu pensei em crescer

Minha vida passou num segundo

Tenho 81 anos no corpo

Não posso ter minha vaidade

Não posso fazer tatuagem

Me falaram que passei da idade

Me restaram os ombros pesados

Dias de conhecimento

Anos de tempo perdido

E muito arrependimento

De não ter feito nada de proibido

Está na hora de atravessar

A cortina do desconhecido

Isso dá medo, mas devia poder escolher

Entre ficar ou atravessar

Pois pode parecer rude

Mas ninguém pediu pra nascer

E os animais? Será que irão para o paraíso?

E todos dirão: “Vão, pois eles não têm juízo”

Neste caso tenho salvação

Pois nem conheço isto

E quantos infinitos cabem dentro de outros infinitos?

É burocracia demais

Como já dizia a velha música

Ser humano

O pior dos animais

E após atravessar a cortina

O que posso lhe dizer?

Vivi pra muita coisa

Então viva pra você!